quarta-feira, 14 de março de 2018

Colaboração e capital dão ritmo ao Vale do Silício

por Bruno Capelas - O Estado de S. Paulo
US$ 24 bilhões em capital de risco em 2017. Mais de 19 mil patentes registradas em 2016. Quase 50 empresas de tecnologia abrindo de capital em bolsa de valores nos últimos três anos. E uma média salarial de US$ 130 mil por pessoa ao ano. Esses números mostram a força do Vale do Silício, localizado ao redor de São Francisco, nos Estados Unidos. A região continua sendo o principal polo de inovação global, graças à abundância de capital e colaboração entre profissionais altamente treinados.
Além de reunir três das cinco empresas mais valiosas do mundo – Apple, Google e Facebook –, o Vale também abriga milhares de startups nas áreas de software, biotecnologia, nanotecnologia e engenharia aeroespacial. Segundo o banco de dados AngelList, o número de empresas em estágio inicial na região cresceu 39% nos últimos dois anos para mais de 32 mil startups. Isso atrai um número cada vez maior de estrangeiros ao Vale, em busca condições mais favoráveis à inovação – no total, eles representam 37,2% da população de cerca de 4 milhões de habitantes. Além disso, ocupam mais de 60% das vagas de computação e engenharia. 
“O grande diferencial do Vale é a visão. É isso que atrai talentos, capital e tecnologia, gente disposta a fazer sacrifícios”, diz o brasileiro Fábio Teixeira, que deixou o País em 2015 para criar sua empresa espacial, a Hypercubes, na região (ler mais abaixo). Além dessas vantagens, os empreendedores também se beneficiam da ausência de burocracia, o que permite que novas empresas saiam do papel em média em 5,6 dias, em média. Para efeito de comparação, abrir uma nova empresa no Brasil leva 79,5 dias, segundo o Banco Mundial.
Caldeirão. Receber gente de diferentes culturas é algo comum na Califórnia. Esse “caldeirão de diversidade”, resultou na primeira característica que impulsiona a inovação no Vale: a colaboração sem fronteiras.
“Aqui, não importa se você fuma maconha, é religioso, transexual ou gay: as pessoas se reúnem numa sala e usam seu conhecimento para resolver problemas”, diz Maurício Benvenutti, ex-sócio da corretora XP Investimentos que, ao se mudar para a Califórnia, criou a plataforma de incentivo a startups StartSe. Hoje, a empresa faz excursões ao Vale para brasileiros que desejam aprender a inovar.
O núcleo do que o Vale é hoje está baseado num robusto tripé de interações entre governo, academia e iniciativa privada. Nos primórdios, isso ajudou pesquisadores da Universidade de Stanford que, por exemplo, descobriram como usar o silício para fazer chips. A partir daí, e com o incentivo do governo, criaram um dos mercados mais importantes da tecnologia, que movimentou mais de US$ 400 bilhões só no ano passado.
Hoje, essa receita vale para novatos como Teixeira: anos antes de fundar a Hypercubes, ele estudou na Singularity University – instituição de ponta fundada pela iniciativa privada, mas sediada no campus californiano da Nasa, a agência espacial do governo. “A conexão da universidade, governo e iniciativa privada deu início ao complexo ecossistema do Vale”, diz Rodolfo Pinotti, diretor de operações no Brasil da 500 Startups, uma das principais aceleradoras – empresas que ajudam startups com capital e orientação – da região.
Dinheiro no bolso. O segundo fator que dá a impressão de que o Vale inova mais e mais rápido é a abundância de capital na região. São mais de 18 mil investidores anjo e centenas de fundos de capital de risco operando lá. Eles colocam seu dinheiro em muitas empresas ao mesmo tempo e, embora a maioria delas “morra” pelo caminho, a quantidade de negócios que dão certo também é relevante. “Os investimentos que dão certo compensam os muitos fracassos”, diz Pinotti, da 500 Startups. 
A quantidade de grandes sucessos nas últimas duas décadas, como Google e Facebook, também impulsionou a oferta de capital. Muitos dos empreendedores de sucesso passaram a ajudar novatos com potencial. Hoje, há tantos investidores no Vale que, normalmente, são eles quem disputam entre si a chance de fazer aportes numa nova startup.
Mais do que capital, porém, é a ajuda oferecida por eles que faz a diferença para as startups. A startup OneSkin, fundada pela bioquímica mineira Carolina Reis no Vale, teve ajuda para encontrar a área em que deveria focar sua atenção. Durante uma captação, ela foi convencida a mudar de rumo e criar seu próprio produto (leia mais abaixo). “Aqui, os investidores têm visão global e sabem nos orientar a pensar grande, algo que às vezes não existe no Brasil”, diz Carolina.
Imitação. A combinação entre colaboração e capital deu tão certo no Vale que a “receita” tenta ser copiada em diferentes partes do mundo. “É uma receita de bolo inigualável. Nem o Vale deconseguiria replicar as condições que criaram esse lugar”, afirma Anderson Thees, sócio do fundo Redpoint eVentures.
Outros grandes ecossistemas pelo mundo surgiram em países que souberam potencializar sua própria força. É o caso de Tel Aviv, que virou polo de cibersegurança com o apoio do exército local, ou da Suécia, cuja população reduzida fez os empreendedores criarem negócios globais.
O Brasil tem algumas lições a aprender com o Vale do Silício. Algumas delas, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, dependem de esforços que vão além dos empreendedores, como a criação de uma cultura de investimento de risco. “Vender renda variável no Brasil já é muito difícil. Investir numa empresa iniciante, então, é mais difícil ainda”, diz Maurício Benvenutti, da StartSe.
A ligação entre a academia e a iniciativa privada, ainda distante em muitos casos, também é um problema, assim como entraves burocráticos governamentais. 
A principal mudança, porém, está na própria cultura dos brasileiros ao inovar: é importante apostar na colaboração e não fazer planos mirabolantes.
“Não adianta desenvolver um plano de cinco ou dez anos para gerar tecnologia. Há uma década, o iPhone tinha acabado de surgir e o Uber nem existia”, diz Benvenutti. “Melhor que isso é testar uma ideia em seis meses e ver se ela dá certo, como as startups fazem, e ir evoluindo.” 
Não há receita a ser seguida, uma vez que cada ecossistema de inovação tem suas peculiaridades. Anderson Thees, sócio da Redpoint eVentures, diz que “se conectar com o Vale é bom, especialmente enquanto a gente não descobre o que fazer aqui.”
Já Rodolfo Pinotti, da 500 Startups, destaca que “São Paulo tem algo que muitas cidades não têm: uma população enorme e que pode ser usada para testes.”. Para Benvenutti, do StartSe, “os brasileiros são adorados no Vale por sua criatividade. Podemos e devemos usar isso a nosso favor.”
Publicado originalmente em http://link.estadao.com.br/noticias/inovacao,colaboracao-e-capital-dao-ritmo-ao-vale-do-silicio,70002218265